quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Triângulo Amoroso

Com a chegada do bebê, não tem casal que não sinta o relacionamento mudar. Para o bem e para o mal, agora o amor tem “o terceiro elemento” e vocês precisarão aprender a lidar com aspectos um do outro que ainda não conheciam
 A mãe amamenta o filho à meia-luz, sob o olhar orgulhoso do pai. O pai chega do trabalho e encontra o bebê dormindo e sua mulher linda e cheirosa à sua espera. A família unida – pai, mãe e filho – corre pelo parque em um dia ensolarado, sem preocupações. Corta! Definitivamente, a vida real de uma família recém-formada passa longe das cenas de um comercial de margarina. É claro que há momentos de extrema felicidade, mas a rotina de um casal pós-nascimento dos filhos é cansativa, desgastante e cheia de mudanças. “A maternidade é a concretização de um sonho, mas, ao mesmo tempo, traz ansiedade, desequilíbrios, conflitos, dúvidas, que são até naturais”, explica Isabel Kahn Marin, psicanalista e professora, responsável pelo departamento de atendimento à família da clínica psicológica da PUC-SP.
Antes a mulher dava atenção exclusiva ao marido e vice-versa. Agora, há entre eles um terceiro elemento. Que é lindo, fofo, mas tem cólicas, chora, quer mamar várias vezes durante o dia – e a noite! – e faz cocô em horas impróprias. “No primeiro ano de vida do bebê, o casal vê sua vida passada por um processador. Se antes eles se programavam para sair no fim de semana, agora eles pensam que podem sair, mas: se não fizer frio, se o bebê estiver bem, se ele dormir direito a noite...”, diz Rita Calegari, psicóloga do Hospital São Camilo (SP).
Para boa parte dos casais, as coisas só voltam ao normal três anos depois do nascimento dos filhos. Foi o que mostrou uma pesquisa feita pelo Relationship Research Institute, em Seattle (EUA), que também apontou que as mulheres sentem o baque imediatamente após o parto, enquanto homens demoram alguns meses para se sentir incomodados. O estudo foi tema de uma reportagem recente do diário norte-americano The Wall Street Journal, que mostrou já existirem vários serviços de aconselhamento para casais no período pré-natal.
Aqui no Brasil, em uma enquete feita no fim de maio no site da CRESCER, 38% dos internautas responderam que o casamento piorou muito depois da chegada do filho; 20% disseram que piorou, mas melhorou um ano depois; e 8% que piorou, mas melhorou dois anos depois. Ficou igual para 10% e melhorou para 4% dos participantes. E 20% acham que ficou muito melhor e que o filho uniu ainda mais o casal. Ou seja: não tem regra, cada casal vai vivenciar a experiência do seu jeito conforme a chegada de cada filho.
 Sócios para sempre
Ter um bebê, você sabe, é um projeto de vida muito importante para ser individualista ou executado de qualquer jeito. Por isso, o ideal seria que os casais se preparassem não apenas do ponto de vista prático e financeiro, mas também emocional. “Planejamento é bom para tudo, até para a reforma da casa. Quando se planeja, colocamos a máxima atenção naquilo e as coisas tendem a ficar mais fáceis”, explica Rita.
Mas mesmo sem essa estratégia toda, a natureza ainda dá de lambuja nove meses para um curso preparatório. “Muitos casais esquecem que vão ter de ser pai e mãe. Se preocupam mais com o enxoval, com o quarto do bebê do que em avaliar os ganhos e as perdas que estão por vir”, diz Luciana Jensen, psicóloga infantil e psicoterapeuta de casal e família há 16 anos.
Claro que não é proibido se animar com a decoração ou com as roupinhas, mas é recomendável que o casal também pense nas reais expectativas que tem, no papel de cada um, nos valores, na educação, e se prepare junto para a nova vida.
Essa etapa do processo não foi bem acordada no casamento de Roberta (que pediu para não darmos seu nome real), de 38 anos. Ele acabou após dez anos, quando seu segundo filho não tinha nem 2 meses de vida. Filha única, Roberta sempre quis se casar e ter mais de um filho. “Era visível que eu queria muito mais que ele. Esperamos cinco anos até ter nossa filha e outros quatro para eu engravidar de novo”, diz. Ela tinha uma boa convivência com o marido antes de engravidar e hoje vê que ficou encantada com o nascimento de sua primeira filha, obsessiva até. “Ela virou minha prioridade. Hoje acho que ele era imaturo e que não nasceu para ser pai, mas também sei que fui muito egoísta”, diz. Mesmo com o relacionamento já abalado, depois do nascimento da menina, Roberta insistiu em ter mais um filho.
 Divisão por 3
Conciliar a vida de pai e mãe com a vida do casal é um dos desafios dessa nova família. Muitas mulheres acabam por se sentirem só mães e deixam seus companheiros de lado. O vínculo do bebê com a mãe é sempre maior do que com o pai. Quando o bebê nasce, ele e a mãe continuam sendo uma coisa só. “Mulheres veem o bebê como uma extensão delas e os homens como um projeto, não como propriedade”, completa Rita Calegari.
Segundo Natércia Tiba, psicoterapeuta de casais grávidos e família, é natural que a mãe deixe o pai em segundo plano. Afinal, em um triângulo que na maioria das vezes não é equilátero (lembra das aulas de geometria da escola? Os triângulos equiláteros são os únicos com três lados e três ângulos iguais...) sempre há alguém que fica na ponta, mais distante, mas esse sentimento pode ser amenizado. Cabe ao pai procurar uma maneira de participar da vida do seu filho e cabe à mãe dar espaço para ele. “O pai não é a mãe dois, ele funciona diferente e é importante que seja assim”, diz.
De acordo com a psicóloga Luciana Jensen, casais que têm um relacionamento emocional mais desenvolvido costumam passar mais tranquilamente por essa nova situação. “O filho não é culpado pelo relacionamento ruim, o nascimento do filho só potencializa os problemas que já existiam”, explica a profissional que se separou do seu primeiro marido quando sua filha tinha 8 meses. “Namorei dez meses meu ex-marido, 17 anos mais velho e que já tinha quatro filhos. É uma baita injustiça dizer que nossa filha foi a responsável pela separação. Acho que não tínhamos uma ligação afetiva forte para superar, inclusive, todas as nossas diferenças”, diz.
 Ele não era assim
Nos consultórios dos terapeutas, as queixas de mulheres e homens são bem distintas. As mulheres falam da falta de tempo, da ausência de vida social, da privação do sono. Os homens, não só do sexo (ou da falta de), mas da piora de humor da esposa, da falta de atenção dela com ele e do desleixo dela. Nos relatos, é grande o número de constatações do tipo: “ele mudou” e “ela não era assim”. “Quando o casal é apenas um casal, a bagagem que ela tem é de mulher e ele, de homem. Quando se tornam pais e mães abre-se a mala do histórico familiar. Como foi minha mãe, como foi meu pai? E algumas diferenças que não apareciam antes começam a se revelar”, explica Natércia. “Brinco que a gestação corresponde a nove meses antes e nove depois do nascimento, para as pessoas registrarem que há muitas mudanças pela frente.”
Tentar ter um tempo a sós, criar uma rede de apoio, seja com funcionários ou parentes, é fundamental para a saúde do casal. Se cercar de amigos que já passaram ou estão na mesma situação para trocar experiências também é positivo. Com informação e cumplicidade, o casal consegue reorganizar sua dinâmica. “Não existe data ideal para a retomada da vida do casal, incluindo a sexual. Conforme a mulher vai retomando a sua vida profissional, sua rotina, seu próprio corpo, a vida do casal tende a voltar ao eixo”, diz Luciana Jensen.
Mas isso não quer dizer que os dois têm de ficar parados, esperando voltar à vidinha de antes. Para que isso aconteça é preciso esforço. “Muitos casais erram ao ficar esperando uma situação formal para estarem juntos e não usam as oportunidades do dia a dia. Muitas mulheres têm tempo para ficar atualizando o perfil do Facebook, mas não para o marido. E, assim, o casal vai criando uma lacuna cada vez maior”, diz Rita Calegari. Eleger prioridades é um exercício que deve ser constante – e se torna ainda mais fundamental quando se tem um filho. Que tal começar a tentar agora? 
Fonte: Revista Crescer

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