domingo, 13 de maio de 2012

Nosso corpo é a nossa história

Tenho conversado com muitas mulheres que tiveram seus filhos e que não voltaram à sua forma física anterior ainda. Vivemos em um tempo de angústia, pois na mídia  o que vemos é "celebridade x após ter filho mostrar suas curvas na revista y"," Fulana x 20kg mais magra após dar à luz"... Quanta ilusão! Isso mesmo, somos seres com tendência à ilusão e caímos nesses jogos facilmente e de repente nos pegamos lendo tais absurdos e querendo fazer igual e não vivemos o presente com todas as delícias e dificuldades que tem. Tudo leva um tempo mas no nosso mundo as coisas se tornaram urgentes, "pra ontem",um fast food emocional. A imagem acaba falando mais alto e as pessoas se perdem de sua essência. Não quero dizer que a mulher não precisa se cuidar, o que quero dizer que junto com a maternidade vem uma série de mudanças e se a mulher não se abrir para estas, passará a ser escrava se si mesma. Encontrei um texto bacana e gostaria de compartilhar com vocês. 
                                                                                        Vale conferir! 


Você nunca mais será a mesma, nem por dentro nem por fora... não há como passar pela experiência de ficar grávida e ter um filho e não ter uma mudança a nível corporal. Mas a gente não quer admitir essa mudança. Não quer e não pode. Não pode porque a sociedade não oferece mais um lugar de valor para o corpo materno, como antigamente ocorria. 

Passamos da água para o vinho em certo sentido. De uma valorização da mãe inteiramente devotada - que não precisava se cuidar do ponto de vista corporal, pois ela era respeitada por ser mãe - passamos à expectativa de que a mãe rapidamente recupere a boa forma.Quantas de nós já saímos da maternidade reclamando da barriga e na primeira consulta ao ginecologista já queremos saber quando podemos voltar a malhar... E provavelmente ele vai falar: em seis semanas vida normal... Sim, normal para ele que estará no consultório tranquilamente nas próximas semanas. Para a mulher que virou mãe de corpo e alma, seis semanas ainda é um tempo em que está aprendendo a "andar de novo..." No entanto, há uma grande pressa de voltar a ser o que se era antes, como se esse novo corpo, essa nova vida não fosse suficientemente interessante. É preciso voltar a ser como antes. 

Como se a vida abrisse essa possibilidade de retorno ao antes. E pergunto: quem quer fazer exercício depois de se exercitar o dia inteiro atrás do filho? Nos primeiros anos de maternidade a vida é puro exercício aeróbico, sem descanso, com pouco sono e muito que fazer. Talvez não seja exercício localizado, por isso não perdemos calorias no lugar que precisamos. Depois de viver a maternidade, hoje considero a natureza sábia.

Aquelas calorias a mais que carregamos são uma proteção, senão desmaiamos no meio da rua de cansaço. Entretanto o mundo só tem olhos para a sua barriguinha... e como não temos nenhum modelo alternativo de “beleza materna” para nos espelhar, tendemos a achar que a solução está na malhação. Quando ligamos a televisão, é um choque: estão todos saradíssimos, esbeltos, magros e bronzeados. Ainda piorou depois que a Globo colocou o filtro que evita o envelhecimento das imagens dos seus atores. Assim nos sentimos fora da possibilidade de qualquer elogio e, algumas revistas continuam insistindo em exercícios mágicos e dietas milagrosas. Diga-me: Há alguém dialogando sobre a corporeidade da pessoa que vive a maternidade? Isto é, dialogando sobre a transformação pela qual passou o corpo que foi submetido aos aspectos físicos, emocionais e espirituais da experiência da maternidade? Alguém dialoga com o corpo que vive o exercício de cuidar de um bebê vinte e quatro horas por dia, em que a prioridade é o corpo do Outro, frágil, instável e sensível?

Mirian Goldenberg, no seu artigo: “O corpo como Capital: Para Compreender a Cultura Brasileira” (2006), aponta uma realidade incontestável da contemporaneidade: Pode-se enxergar melhor o paradoxo apontado por Lipovetsky com a idéia de “contrários em equilíbrio” de Gilberto Freyre. No Brasil, o desenvolvimento do individualismo e a intensificação das pressões sociais das normas do corpo caminham juntos. De um lado, o corpo da brasileira se emancipou amplamente de suas antigas servidões - sexuais, procriadoras ou indumentárias-; de outro, encontra-se, atualmente submetido a coerções estéticas mais regulares, mais imperativas e mais geradoras de ansiedade do que antigamente. Vivemos, então, um “equilíbrio de antagonismos”: um dos momentos de maior independência e liberdade femininas é também aquele em que um alto grau de controle em relação ao corpo e à aparência se impõe à mulher brasileira.

Estamos frente a uma contradição que me deixa perplexa e para a qual não tenho resposta. Tenho procurado escutar a mim mesma, mãe de 40 anos e psicóloga e, também, procurado escutar muitas mães com as quais venho trabalhando.Por outro lado, vejo na clínica meninas jovens se disponibilizarem a pagar um preço alto para tentar se aproximar do corpo “global” e da imagem corporal globalizada pela mídia do mundo todo.

O corpo é um capital importante no mundo contemporâneo, particularmente o corpo feminino. No passado a maternidade em si acrescentava valor à mulher. Com as conquistas da modernidade temos uma situação paradoxal em termos de valor em que o visual da mulher compete com a competência profissional. Isso vem acontecendo de tal forma que da mãe se espera que rapidamente volte tanto ao mercado de trabalho quanto às formas da mulher que foi anteriormente. Poderia se dizer que há uma tripla jornada de trabalho para a mãe, porque além do corpo malhado e do sucesso profissional se espera dela que seja uma boa mãe.

De fato há um progresso em relação à maternidade do passado, em que a mulher ficava confinada em casa e da qual se esperava pouco investimento na estética corporal e na vida profissional. Em contrapartida, há um olhar discriminador em relação a mãe que resiste ou não consegue mesclar academia intensiva com cuidar do bebê e de sua vida profissional. 

Isso, porque a reflexão sobre o impacto da maternidade sobre nós como pessoas fica completamente sem espaço para emergir. No fundo de nós mesmas fica a questão: quando esta sociedade dará um lugar, dará valor e não desprezo para o corpo real, para o corpo possível pela vida que se vive? Isto é, para o corpo que tem memória, e portanto, marcas, para o corpo que tem história e portanto significados, sem culpa pela perda do corpo adolescente? Sim, houve uma libertação da mulher em relação ao confinamento doméstico após casamento e maternidade, mas a questão que fica é: a liberdade de um modelo não está se dando ao preço da submissão a outro modelo igualmente punitivo e tirânico? Hoje em dia é raro ver uma mulher que esteja satisfeita com seu corpo. Internalizamos de tal forma o modelo de beleza imposto pela mídia que estamos sempre em falta. Em falta com essa imagem cruel do corpo da mulher no qual nossa história não pode deixar vestígios. 

Há sempre produtos e serviços “capazes” de eliminar estes restos indesejáveis de nossas dores, experiências e aventuras pela vida. O mito do corpo perfeito é assimilado sem críticas pelos homens e, naturalmente por nós, mulheres e mães. Como se fosse possível e mesmo desejável, viver em toda sua plenitude uma vida rica de experiências, entre as quais a da maternidade - evento que nos afeta no núcleo de nossa corporeidade e manter um corpo intacto. Nosso corpo é nossa história. 

Como crescer espiritualmente e não aceitar que nosso corpo se transforma aos olhos dos outros e para nós mesmos? Uma coisa é a estética de um corpo bonito, nada contra. Outra é não ter valor um corpo materno, com estrias, marcas, gordurinhas, que se desgasta na devoção ao seu bebê e na conciliação desta enorme tarefa com a volta ao mercado de trabalho. O corpo materno, que sabiamente é mais carnudinho para ser um colo, deveria ser o corpo almejável e até reverenciado pela beleza da experiência que contêm. Por enquanto, entretanto, o corpo desejável da mulher brasileira é o corpo esguio da adolescente, e não é rara a nossa frustração quando chegamos a uma loja de roupas e percebemos que o tamanho G de uma roupa é ridiculamente pequeno. 

Autora:Tania Novinsky Haberkorn

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